A responsabilidade patrimonial solidária do cônjuge meeiro por dívida contraída exclusivamente pelo seu cônjuge


17 Outubro 2022

Após os cônjuges adotarem como regime de casamento o da comunhão parcial, cada um deles passará a ter direito à METADE dos bens adquiridos pelo casal na constância do casamento. A essa metade dá-se o nome de MEAÇÃO.

Via de regra, percebe-se no Código Civil de 2002 a preocupação do legislador em conferir proteção à meação dos cônjuges, ao tratar em capítulo denominado “DIREITO PATRIMONIAL” quanto a obrigatoriedade da autorização do cônjuge ao outro para celebração de determinados negócios jurídicos que possam eventualmente vir a comprometer a sua meação sobre o bem.


Como exemplo, o inciso III do art. 1.647 do Código Civil dispõe não ser permitido a nenhum dos cônjuges prestar
FIANÇA ou aval sem autorização do outro (exceto se o regime for separação total de bens). Ou seja, sem a devida outorga (uxória, que corresponde à autorização conferida pela mulher ao marido; e/ou marital, que consiste na autorização dada pelo marido à esposa), haverá a ineficácia de toda a garantia prestada (Súmula nº 332 do STJ).

Com tais regras, resguarda-se a meação do cônjuge não participante do negócio.

No entanto, para a realização de alguns negócios jurídicos, o Código Civil não exige a autorização de um dos cônjuges para que o outro possa firmá-lo; e vai além o legislador, ao prever expressamente a possibilidade da meação de um dos cônjuges responder pela dívida contraída pelo outro, ainda que exclusivamente.

Essas hipóteses encontram-se previstas especificamente nos artigos 1.643, 1.644 e 1.664, todos do Código Civil, que assim dispõem:

Art. 1.643. Podem os cônjuges, independentemente de autorização um do outro:

I - comprar, ainda a crédito, as coisas necessárias à economia doméstica;

II - obter, por empréstimo, as quantias que a aquisição dessas coisas possa exigir.

Art. 1.644. As dívidas contraídas para os fins do artigo antecedente obrigam solidariamente ambos os cônjuges.

Art. 1.664. Os bens da comunhão respondem pelas obrigações contraídas pelo marido ou pela mulher para atender aos encargos da família, às despesas de administração e às decorrentes de imposição legal.

 
O casamento funciona como uma verdadeira sociedade, sendo os cônjuges os sócios, empenhados no sucesso desse matrimônio sob todos os aspectos, em especial FINANCEIRAMENTE; logo, mais do que razoável a posição adotada pelo legislador em considerar que determinadas dívidas - adquiridas ainda que exclusivamente por somente um dos cônjuges - serão de responsabilidade SOLIDÁRIA por ambos os cônjuges, eis que trazem efeitos positivos para essa sociedade que é a entidade familiar, para o marido e a esposa.

Ou seja, a dívida adquirida deverá ter sido convertida em benefício dessa sociedade que é o núcleo familiar; e demonstrado que ambos os cônjuges se favoreceram da dívida/negócio jurídico assumido - frise-se, ainda que exclusivamente adquirida por somente um dos cônjuges -, a meação do outro cônjuge não participante do negócio deverá responder solidariamente por toda a dívida, nos termos do art. 790 do Código de Processo Civil:

 Art. 790. São sujeitos à execução os bens:

[...]

IV - do cônjuge ou companheiro, nos casos em que seus bens próprios ou de sua meação respondem pela dívida;

 

Esse é o posicionamento dos nossos Tribunais:

“RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO. CÔNJUGE MEEIRO. RESERVA DE MEAÇÃO. ART. 655-B DO CPC/1973. DÍVIDA RELATIVA A HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. RESPONSABILIDADE DE QUEM É PARTE NA DEMANDA. LIMITES SUBJETIVOS DA COISA JULGADA.

[...]

  1. Nos termos do art. 655-B do CPC/1973, incluído pela Lei nº 11.382/2006, havendo penhora de bem indivisível, a meação do cônjuge alheio à execução deve recair sobre o produto da alienação do bem.
  2. Para impedir que a penhora recaia sobre a sua meação, o cônjuge meeiro deve comprovar que a dívida executada não foi contraída em benefício da família. Precedentes.

[...]”

(STJ - REsp 1670338 / RJ, Rel.: Min. RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, 3ª Turma, DJ 07/02/2020)

EMBARGOS DE TERCEIRO. PENHORA. CONTA CONJUNTA. DÍVIDA CONTRAÍDA PELO CÔNJUGE. DÉBITO ORIUNDO DE CONTRATO DE LOCAÇÃO. SOLIDARIEDADE. A MEAÇÃO DO CÔNJUGE RESPONDE PELAS OBRIGAÇÕES DO OUTRO SOMENTE QUANDO CONTRAÍDAS EM BENEFÍCIO DA FAMÍLIA, CONFORME DISPOSTO NO ART. 790, IV, DO CPC/15, EM INTERPRETAÇÃO CONJUGADA COM OS ARTS. 1.643 E 1.644 DO CC/02. PRESUNÇÃO DE COMUNICABILIDADE DAS DÍVIDAS QUE DEVE SER ELIDIDA POR AQUELE QUE PRETENDE VER RESGUARDADA SUA MEAÇÃO, DE ACORDO COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. EMBARGANTE QUE NÃO LOGROU COMPROVAR QUE A DÍVIDA CONTRAÍDA POR SEU MARIDO NÃO SE REVERTEU EM PROVEITO DA FAMÍLIA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

(TJRJ. Apelação nº 0010058-35.2020.8.19.0203. Des. ALEXANDRE EDUARDO SCISINIO. Vigésima Câmara Cível. Julgamento: 26/01/2022)

 
Quanto ao último julgado, acima colacionado, vale a reprodução de importante trecho, para demonstrar a existência da PRESUNÇÃO ABSOLUTA de consentimento recíproco para aquisição de dívidas que tenham como objetivo trazer benefícios à entidade familiar, razão pela qual é dever do cônjuge meeiro, através de Embargos de Terceiro, provar não ter se beneficiado daquela dívida contraída exclusivamente pelo outro cônjuge (como consignado, inclusive, no julgado acima transcrito, do E. STJ):

“De fato, existe presunção de comunicabilidade das dívidas assumidas por um dos consortes, cabendo àquele que busca preservar sua meação o ônus de elidir a presunção citada. Nesse sentido é a lição de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald: 

“Seguindo a mesma lógica, o art. 1.643 também autoriza cada consorte, independemente do consentimento do outro, a comprar, ainda a crédito, as coisas necessárias à economia doméstica (inciso I) e a obter, por empréstimo, as quantias que a aquisição dessas coisas possa exigir (inciso II). É estabelecida, assim, uma presunção absoluta de consentimento recíproco para a prática de determinados atos - cuja natureza é essencial para a manutenção do lar. E, por conseguinte, independente de quem tenha contraído a despesa, ambos respondem. Criou-se, assim, uma regra de solidariedade legal (CC, art. 1.644) entre os cônjuges, com relação às dívidas contraídas para os fins de administração da economia doméstica.” (DE FARIA, Cristiano Chaves & ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil – Famílias. Salvador, Editora Jus Podium, 2018, p.339).”

Pois bem. Em processo de EXECUÇÃO patrocinado por nosso Escritório, cobrávamos dívida locatícia contra o cônjuge varão (exclusivo locatário), no qual obtivemos a penhora de valoroso imóvel residencial, de propriedade do devedor e de sua esposa.

Por sua vez, a esposa do executado interpôs EMBARGOS DE TERCEIRO (art. 674 do CPC, que tem como objetivo preservar a meação de um dos cônjuges, com o desfazimento da ameaça que paira sobre a sua parte do bem), alegando para tanto não ter participado do negócio jurídico firmado por seu marido e que deu azo à dívida executada por nosso cliente.

Tal processo foi julgado IMPROCEDENTE, pois tratava-se de uma locação comercial para o fornecimento de material e serviços odontológicos, sendo que a embargante – apesar de não figurar como locatária no contrato –, era DENTISTA e sócia de fato da empresa, restando evidenciado para o Juízo que a dívida contraída por seu marido se converteu em benefício familiar, razão pela qual a meação pertencente à esposa também respondeu pela dívida.

Logo, com base na legislação, na recente jurisprudência a respeito do tema e na nossa experiência profissional, é evidente a responsabilidade patrimonial SOLIDÁRIA de ambos os cônjuges na hipótese de existência de benefício financeiro revertido em favor da entidade familiar – o que goza de presunção absoluta –, razão pela qual cabe ao cônjuge meeiro provar o contrário, sob pena de ter sua meação utilizada para a satisfação da dívida contraída por seu cônjuge, ainda que exclusivamente.

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